sexta-feira, 1 de maio de 2009

E não é que ele é mesmo engraçado?

Aos 60 anos e dono de uma carreira pontuada por galãs certinhos, Tony Ramos revela sua veia de comediante no cinema e na TV

Quando criança, Tony Ramos queria ser comediante. Pintava um bigode no rosto para imitar os trejeitos de Jânio Quadros, era fã de Jerry Lewis e dizia que um dia seria igual a Oscarito. Não foi escolha sua a trilha de galã certinho e bem-comportado construída ao longo de 45 anos de televisão, primeiro na TV Tupi e mais tarde na Rede Globo. Mas esse tipo, que o tornou um dos atores mais queridos do Brasil, lhe caiu bem desde o início. E, embora tenha feito algumas incursões pela comédia, Tony acabou sendo levado a uma opção até exagerada pelo bom-mocismo na TV. Nas quarenta novelas em que atuou, ele só foi vilão duas vezes – e vilão arrependido, regenerado no fim da trama. O que nem ele esperava é que, aos 60 anos, sua carreira desse uma guinada justamente em direção à comédia. Depois do estouro de Se Eu Fosse Você e Se Eu Fosse Você 2 (este, com 6 milhões de espectadores, é a maior bilheteria do cinema brasileiro nos últimos vinte anos), em que troca de papel com Glória Pires, Tony fez de Opash, de Caminho das Índias, um dos personagens mais marcantes e divertidos da trama de Glória Perez.

Opash, pai do protagonista Raj (Rodrigo Lombardi), é um comerciante indiano sério, apegado a valores tradicionais, que sofre um choque cultural fenomenal ao desembarcar no Brasil para tentar contornar o rolo em que o filho se meteu ao engravidar Duda (Tania Khalill), a namorada que foi trocada por Maya (Juliana Paes). Numa cena exibida há duas semanas, Opash foi a uma boate no Rio de Janeiro acompanhado por Chiara (Vera Fischer) e acabou tirado para dançar por duas mulatas em trajes mínimos. O misto de constrangimento, espanto e encantamento de Opash ao combinar estranhíssimos passos de "samba" com gestos de dança indiana resultou em um dos melhores momentos da novela até agora, com toques que fazem lembrar Peter Sellers em Um Convidado Bem Trapalhão. Nos capítulos que estão no ar, Opash já retornou à Índia, mas o humor resultante do choque cultural continua em evidência, como nas cenas em que ele mostrou as fotos da viagem à sua mulher, Indira, tentando convencê-la de que acha muito normal a quase nudez das brasileiras. A vida do personagem vai passar por uma reviravolta, quando ele descobrir que é filho de seu arqui-inimigo Shankar (Lima Duarte), uma situação que porá em xeque todas as suas convicções. Mas o viés cômico será mantido, inclusive com outras viagens ao Brasil, onde é possível explorar de forma mais saborosa o choque cultural.

Tony Ramos é bom em contar casos e piadas, o que se orgulha de fazer "com a alma", em sua própria definição. Isso exige um timing preciso, que o ator usa muito bem em cenas cômicas. Mas a chave de seu humor é o que o diretor Daniel Filho, de Se Eu Fosse Você, define como "construção minimalista" e o próprio ator resume ao explicar por que o episódio da boate ficou tão engraçado. "O texto era bom, eu não precisava carregar nas tintas", diz. Essa economia, que impede a transformação do que é cômico em algo simplesmente caricatural, torna-se possível pela minúcia com que Tony constrói seus personagens. No caso de Opash, por exemplo, a forma de olhar as pessoas quando chegou ao Brasil foi inspirada no olhar curioso e um tanto ingênuo que os técnicos indianos dirigiam à equipe da Rede Globo durante o período de gravação na Índia. O cabelo, com fios longos e gel, foi copiado dos comerciantes de tecido que ele conheceu no país. (Até o jeito de falar envolve uma teoria, que nem é o caso registrar: sotaque em novela da Globo é sempre aquela maluquice, não importa quem seja o ator). O mesmo método foi usado na construção do Cláudio de Se Eu Fosse Você. Para não converter o personagem num travesti, Tony Ramos estudou inicialmente a maneira de andar e de falar da atriz Glória Pires, com quem faz par no filme e em quem se transforma. Em seguida, passou a observar atentamente os trejeitos de sua mulher, Lidiane, com quem vive há quarenta anos. "Fui estudando o jeito como ela fala com os cachorros, treinando gestos mais delicados", conta o ator, afinando a voz para demonstrar ao repórter de VEJA como chegou ao personagem. "Tony tem timing e inflexão. Poderíamos regravar todos os filmes do Oscarito com ele no papel principal que seria um sucesso", diz o humorista Chico Anysio, que também atuou no filme.

Tony Ramos diz que seu conhecimento da televisão brasileira o qualificaria para um trabalho nos bastidores, como executivo – ou ainda como autor de novelas (uma ambição que parece realmente acalentar). É improvável que a Globo o estimule a passar para o outro lado. Ele pertence à primeira linha de atores da emissora, com salário mensal de 60 000 reais, mais 40% de bonificação quando está no ar (seu cachê em Se Eu Fosse Você 2 foi algo em torno de 80 000 reais). Tal qual um personagem do noveleiro Manoel Carlos, ele mora no Leblon. Anda sempre a pé pelas ruas e procura conversar com fãs que o abordam. Boa-praça, falante, Tony dificilmente perde o bom humor. Não vê o menor problema nas incontáveis piadas sobre seu corpo peludo, inclusive as do Casseta & Planeta que, parodiando o personagem Miguel, em Laços de Família, mostravam a empregada varrendo os pelos do sofá da casa de Helena (Vera Fischer) após uma cena de amor. Só uma coisa o irrita: quando a imagem de cidadão respeitável, que marcou seus personagens, e que cultiva em sua vida pessoal, é associada a um sujeito chato e sem humor. "Em casa, ele é um cara superengraçado", diz Lidiane. Agora dá para acreditar.




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