domingo, 18 de abril de 2010

Antonio Fagundes: 'Não há uma grande verdade sobre mim'

Foto:  Fábio Guimarães

Preferi não arriscar. Em vez de uma, saí com duas horas de antecedência da redação do EXTRA, na Cidade Nova, em direção ao Projac, em Jacarepaguá. Normalmente, o trajeto leva cerca de uma hora, mas como o dia estava chuvoso e o trânsito, como sempre, complicado... Explico: meu entrevistado era ninguém menos do que Antonio Fagundes. Alguém aí ainda desconhece a fama do ator de não tolerar atrasos?
Tive sorte. Cheguei lá em exatos 42 minutos. Fagundes ainda gravava cenas de “Tempos modernos”, como o empresário Leal Cordeiro. Sim, precisei esperar por ele — mas, claro, não foi sua culpa. Dia de trabalho encerrado, o ator lá estava, à minha espera. Camiseta azul bebê, jeans claro, tênis e uma minimochila nas costas, estendeu-me a mão com um sorriso: “Como vai você? Vamos lá?”. Que antipático o quê! De voz tranquila, fala pausada e olhar extremamente sedutor, o sexagenário galã discorreu sobre tudo um pouco: das críticas à novela das sete, da qual é protagonista, a política, beleza, amor, velhice, fé, sucesso e mitos sobre a sua figura: “Não há uma grande verdade sobre mim. Nem sobre ninguém. As pessoas, se elas se permitirem, se modificam. Isso é que é bonito”.


— Em “Tempos modernos”, Leal conversa com Frank, um computador inteligente. Você já se declarou um “analfabyte”. Nunca teve curiosidade de jogar seu nome no Google para saber o que falam sobre você?
— Um veículo que não informa o nome certo de alguém que está há 44 anos no “serviço público” não é confiável. Continuam colocando “José” no meu nome, coisa que nunca existiu. E as pessoas entraram num uso louco da internet. Só para limpar e-mails, passam quatro horas por dia. Nesse tempo, eu leio um livro. Conectado, você pode entrar na biblioteca do Congresso de Washington, que é a maior do mundo, mas você não faz isso. Você quer é saber quem foi que comeu quem na praia. Me inclua fora disso!

— Leal tem origem humilde. Ele enriqueceu e se tornou um homem poderoso mesmo não tendo estudo. Alguma semelhança com Lula?
— Não sabemos mais se Leal é analfabeto. Talvez tenha uma dislexia, uma coisa assim. Quanto à comparação com o presidente, nunca pensei nisso, e acho que nem foi a intenção do autor.

— Não funciona como um mau exemplo para o telespectador?
— Novela é manipulação da realidade. Quem se baseia numa novela para mexer em sua própria vida está errado. Leal é um personagem, tem que ser excepcional. Se for comum, fica chato. E a excepcionalidade de Leal é ter vindo de uma camada social mais baixa e ter conseguido construir um império. Mas isso (não estudar e se dar bem na vida) não pode estimular ninguém!

— Mas você concorda que o brasileiro leva muito em conta o que aparece na TV?
— Mas aí a culpa talvez não seja da televisão, mas da educação que o povo brasileiro vem recebendo ao longo dos séculos. A gente não pode querer fazer com que a televisão supra isso. Quem tem que suprir é o Ministério da Educação.

— Como tem recebido as críticas e a audiência ruim da novela das 7?
— Ninguém faz nada para ir mal. A vontade da gente é sempre acertar, mas não há fórmulas. O que há de interessante na novela é que ela pode ir se modificando. Nós estamos no capítulo 50, são 130 ainda pela frente, tudo pode acontecer. Daqui a dois meses, você pode vir me entrevistar querendo saber por que “Tempos modernos” é o maior sucesso... Aí, vou te dizer: “A gente está fazendo o melhor para ser o melhor”. Fico até espantado com o ódio de algumas pessoas quando as coisas não vão bem. Tem gente que odeia (frisa) a novela. Como assim? Só quando vier a palavra “Fim” que a gente vai poder dizer se foi um sucesso ou um fracasso.

— E na sua opinião, está dando certo?
— Estamos em processo. Se estou fazendo um trabalho, vou até o fim com prazer. Ele dê ou não dê certo.

— Você mantém contato direto com o autor da novela, Bosco Brasil?
— De vez em quando ele me telefona, aí a gente conversa bem. Mas agora a vida dele está acelerada, e eu o deixo sossegado. As pessoas têm certa leviandade ao julgar o trabalho de um autor. Não é brincadeira. Por mais que tenha colaboradores, é um trabalho difícil, cheio de pressões, alvo de fofoquinhas absurdas.

— Como é, aos 60 anos, ainda ser um galã da TV?
— Bom, bom... Que me deem mais 20 anos assim! Antes eu me incomodava com o rótulo, mas depois de tantos anos podem falar o que quiserem. O fato é que eu nunca fui o meu tipo de homem. Um Alain Delon, um Brad Pitt, sim, são bonitos.

— Que fascínio é esse que você exerce sobre as mulheres, então?
— Talvez seja alguma coisa de personalidade. Tenho, sim, uma coisa chamada carisma. Vem do grego “caris”, que é “graça divina”. É um dom. Carisma você não exercita, ou tem ou não. E gosto de pensar que o meu trabalho de ator ajuda.

— Você já teve dois longos casamentos e namora há três anos a atriz Alexandra Martins, de 30. Pensa em se casar de novo?
— Não, já passei por essa fase... Já entendi como é, está bom. Agora vamos ver o outro lado.

— O que a Alexandra acha disso?
— Pergunta pra ela!

— Como é trabalhar com a namorada na novela (Alexandra interpreta a secretária Duba)?
— Próxima pergunta! Chegamos a um ponto da entrevista que só interessa a você.

— É um homem romântico?
— Ah, eu gosto de um carinho, de uma atenção, de abrir a porta do carro.

— Saber cozinhar é um dos seus trunfos de sedução?
— É, eu fiz um curso, sei preparar mais de cem pratos, entre doces e salgados. Para quem não sabia nem fritar um ovo, virei fera na cozinha.

— Como encara a proximidade da velhice?
— Ela é sempre muito bem-vinda. Se você não chega lá, morreu moço. Acho que tem que se preparar para isso, sim, as coisas mudam. Mas é se preparar, e não adiar. Ainda não me sinto nessa antessala, me dá mais uns dez, 15 anos aí. Mas estou pronto, não tenho o menor problema. Nunca pintei o cabelo, nunca fiz plástica. Não tenho vaidades. Mas cuidar da saúde é bom sempre, sem exageros. Tem que tomar uns vinhos, fumar uns charutos, comer umas frituras e uns doces de vez em quando.

— Mas nunca usou nem um cremezinho, nada?
— Cremezinho?! (risos) Nem xampu eu passo! Lavo a cabeça com sabonete... Os cabelos caem um pouco, mas os que sobram ficam ótimos! (mais risos)

— Você se considera um homem vitorioso?
— Nunca corri atrás desse tipo de felicidade. A impressão que se tem no nosso mundo moderno é que a felicidade é uma coisa que se atinge. Para ser feliz você precisa de um automóvel, uma mulher, dois filhos, plantar uma árvore e escrever um livro... E depois? Felicidade é estar vivo, é acordar de manhã e ver que eu ainda estou aqui. Sou realizado nesse sentido: estou aqui, produzindo.

— Pensa em se aposentar efetivamente, largar tudo para descansar?
— Consegui, enfim, resolver minha questão com a Previdência Social. Mas ainda tem um processo correndo lá porque passaram-se nove anos, então eu tinha que conseguir de qualquer jeito. Mas quero trabalhar até uns 95 anos, daí até os 120 eu vou descansar um pouco.

— A morte o assusta?
— Tem um filósofo, de que não me lembro o nome, que tem uma definição muito boa: “Onde a morte está, eu não estou. Onde eu estou, a morte não está”. Não tem por que se preocupar com isso.

— O que acha que as pessoas falarão sobre você, quando não estiver mais aqui?
— Engraçado... Nunca pensei no depois. Tenho amigos que trabalham para a posteridade. Eu não quero deixar nada, quero ter, quero agora! Quero o Seu José e a Dona Maria ali na minha plateia, quero fazer para eles, e não para a posteridade. Outro dia, joguei fora todas as fotos que eu tinha. Eu estava guardando aquilo há anos e não me lembro de ter parado um dia sequer para ver ou mostrar para alguém. Foi até um erro meu, deveria ter doado para um acervo. Mas não me faz falta! Eu brinco que tenho a nostalgia da velhice. Imagino a velhice de uma forma muito tranquila, boa. Se não estiver doente quando velho, será maravilhoso.

— De que forma a religiosidade está presente na sua vida?
— Sou agnóstico, o mesmo que um ateu preguiçoso. Não penso em Deus, acho difícil de acreditar. Como é só uma questão de fé, não dá nem para falar sobre. Acredito, sim, no homem ético, naquele que quer se colocar bem diante do próximo. Mas não preciso de Deus para isso. Não faço por medo, mas por convicção.

— Já leu a Bíblia?
— Umas cinco ou seis vezes. Talvez eu tenha lido mais a Bíblia do que muito religioso por aí. Eu a li inteira. Já anotei, inclusive. Tem coisas muito interessantes. Mas também já li Alcorão, Alan Kardec, Mitologia Grega...

— Há quatro grandes folclores sobre Fagundes: usa cueca vermelha para dar sorte, não gosta de dar autógrafos, decora textos com extrema facilidade e não tolera atrasos...
— Essa lista, como todas as reducionistas, tem falhas. Cueca vermelha eu não uso mais. Usei em 1979, mas deve ter mexido com a libido das pessoas, porque estamos em 2010 e ainda se fala nisso. Já passei por cuecas de bichinho, samba-canção... Hoje em dia eu não tenho cor preferida, que fique claro (risos). Sobre dar autógrafos, realmente acho chato. Mas outro dia uma senhora me parou na rua e me mostrou um autógrafo que eu tinha dado a ela em 78, e ela levava na carteira. Como é que eu posso não gostar? Realmente, fiquei emocionado. A beijei e agradeci imensamente. Infelizmente, o número de experiências ruins é maior. Tem pessoas que me agridem nas ruas e eu me pergunto o porquê daquilo. Três: o texto eu realmente decoro com facilidade, mas só em televisão. Em teatro eu levo meses, porque é um processo diferente. A última: não é que eu não tolere atraso, eu simplesmente não deixo o atrasado entrar no teatro. Ora, na minha vida, eu atraso! Outro dia teve uma inundação na cidade e eu atrasei. O meu espetáculo era às 21h30m, eu tinha que estar lá às 19h30m e cheguei às 20h30m. E olha que saí de casa três horas antes porque vi que ia chover!

— Então, não existe uma grande verdade sobre você?
— Não há uma grande verdade sobre mim. Nem sobre ninguém. As pessoas, se elas se permitirem, se modificam. Isso é que é bonito. O importante é estar crescendo. Quanta coisa eu falei em outras entrevistas que eu posso não concordar mais! Sei lá o que eu li depois, que pessoas interessantes eu encontrei na minha vida que me fizeram mudar de ideia...

Foto: Carlos Prates/ Divulgação/ TV  Globo

Alexandra Martins, namorada de Fagundes, responde as perguntas que ele se recusou a responder e mais algumas:

— O que mais a encanta no Fagundes?
— Só ele não se acha bonito (risos). Mas tem todo um outro lado que as pessoas não conhecem e que me encanta muito mais do que aquele que é óbvio. É incontestável: ele é um homem extremamente charmoso, inteligente, culto e, acima de tudo, muito bem-humorado. Está sempre assoviando, está sempre sorrindo, tem um bom humor irretocável. Todo mundo que convive com ele comenta isso. Ele tem um charme arrebatador, é muito carismático, tem uma maneira especial de falar, de rir, de olhar, tem uma voz muito bonita também. Presença de espírito, charme, bom humor compõem muito mais a beleza de um homem do que traços irretocáveis. Pro meu gosto de beleza masculina, por exemplo, o Brad Pitt pode passar dez vezes na minha frente que eu não reparo. Ele é um homem bonito, mas é aquela beleza estanque, fotografada, muito delicada. Beleza tem um critério muito subjetivo.


— Ele disse que não quer mais casar. Como você recebe isso?
— A gente já está junto há quase três anos, e sabe o que o outro pensa. Eu sei dos desejos dele, ele sabe dos meus, e se a gente está junto é porque está em sintonia. Eu já fui casada, por dois anos e meio, também já tive essa experiência. Ele não era ator, era normal (rs). Também não tenho vontade de casar de novo. A nossa sociedade ainda está pautada numa série de convenções, as pessoas ainda têm uma preocupação com ritos, datas, eventos, mas meu objetivo de vida é só ser feliz, não tenho essa preocupação com coisas pré-determinadas. Mas eu e ele, com certeza, estamos em sintonia com nossas expectativas, nossos desejos. E eu também não tenho vontade nenhuma de ser mãe.


— Como é trabalhar com o Fagundes em 'Tempos modernos'?
— É mais uma coisa que a gente faz junto. Estamos na mesma profissão, é natural que isso aconteça. A gente se conheceu trabalhando, num episódio do "Carga pesada". Eu fazia uma personagem chamada Bentinha. É natural que a gente comente sobre trabalho, porque a gente curte muito o que faz. Vamos a muito teatro juntos, assistimos a filmes pra caramba, faz parte da nossa rotina falar sobre trabalho. Claro que eu tenho um processo completamente diferente do dele, ele é um privilegiado, decora texto com extrema facilidade e é invejado por todos os atores. É um prazer poder estar numa novela com um ator do calibre dele. Mas "Tempos modernos" é recheada de grandes atores, um time nota mil.


— Incomoda os muitos comentários sobre a diferença de idade entre vocês?
— Isso só é um incomodo para os outros. Honestamente, eu nem paro para pensar nisso. Depois que a gente vira adulto, não importa quantos anos ninguém tem para nenhum tipo de relação. Eu não peço documento de identidade para me relacionar. O que importa é a gente ter uma sintonia, uma afinidade. É uma grandissíssima bobagem as pessoas se darem ao trabalho de questionar sobre isso.


— É verdade que ele sabe cozinhar muito bem?
— Ele fez um curso, menina! O meu prato preferido preparado por ele é o Filé a Parmeggiana. Na verdade, ele faz carnes muito bem. É uma coisa de que ele gosta, então ele faz bem. O Steak Aupoivre dele também é de comer rezando!!! Quando ele está cozinhando, eu fico sentadinha, conversando, tomando um vinhozinho e prestando atenção.


— Ele não gosta de atrasos, e as mulheres sempre demoram para se arrumar... Como é que vocês fazem?
— Eu não me atraso nem um segundo. Eu sempre fui assim, mesmo antes de conhecê-lo. Desde menina, para sair com o primeiro namorado, eu já estava pronta dez minutos antes, com a bolsa na mão esperando ele chegar. Sou extremamente pontual. Me programo com antecedência, me organizo. Não é nada patológico, mas eu sou assim. Eu sou assim tanto no trabalho quanto com meus amigos e namorado. É uma questão de respeito, ser pontual é bom para todo mundo. No Rio é que as pessoas acham isso fora do comum. Não! No meu casamento eu entrei no horário, para você ter uma ideia. Eu não gosto de deixar ninguém me esperando nem gosto de esperar.

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