Luiz Fernando Carvalho tenta decifrar uma questão que Sigmund Freud lamentou não conseguir. O diretor finalizou as gravações de Afinal, O Que Querem as Mulheres?, nova série da Globo, prevista para estrear em novembro. O programa usa a trajetória de um psicanalista patético - interpretado por Michel Melamed - e suas confusões amorosas para, no final, não responder a célebre pergunta. Na história, André desenvolve uma tese e publica um livro com esse tema que vira um grande sucesso. E é quando chega ao topo da fama que ele experimenta, aos poucos, as frustrações de um homem que, na verdade, não entende o sexo feminino. Tanto que, na cena em que conhece a despojada Sofia, de Letícia Spiller, já depois de ser largado pela esposa Lívia, de Paola Oliveira, é mostrado com uma máscara que traduz perfeitamente a imagem de "bobão solitário". "Nada no Luiz Fernando é óbvio. Desde o processo de construção do personagem, da interação da equipe até a montagem e finalização, tudo é feito de maneira profunda. Está aí um diretor que nunca é raso", derreteu-se Letícia.
Na trama, André começa casado com a artista plástica Lívia, mas entra tão fundo nos estudos para sua tese que acaba por deixar a esposa de lado. E isso faz com que ela, no decorrer dos seis episódios da série, se separe e procure a felicidade com o bom partido Jonas, de Dan Stulbach. "O André gosta dela e sente muito o fim do casamento. A série mostra bem vários lados da relação homem/mulher através não só dos dois, mas também de todas as outras uniões que se formam a partir deles", explicou Paola, minutos antes de gravar a sequência do primeiro encontro entre André e Lívia, um flashback.
A locação escolhida, assim como a maioria das cenas gravadas na série, fica em Copacabana, no Rio de Janeiro. Na porta do Roxy, um dos raros cinemas de rua da Zona Sul carioca, o diretor tenta marcar bem dois momentos importantes: o primeiro encontro do protagonista André com duas das três mulheres de sua vida - a terceira é sua filha que nasce no final da série. Tudo começa com Sofia, defendida por uma Letícia Spiller completamente transformada pelas cores berrantes da roupa até o cabelo, enfeitado com "dreadlocks" e mechas rosa. "Quem é a loura", perguntou um pedestre, que se espanta ao ouvir que se trata de Letícia. Mas logo se certifica disso quando a atriz, grávida de cinco meses, se aproxima da luz e reclama, em tom de brincadeira, da roupa justa. "Na primeira vez em que vesti, estava certinha, há cerca de um mês. Agora, quase não entra", riu, acarinhando o ventre, olhando para Michel, barbado neste "take".
A cena seguinte, com Paola, acontece no mesmo cinema. E também na fila da bilheteria. Para marcar as diferenças de tempo - mesmo numa série que, segundo o diretor/autor, é atemporal -, Michel corta a barba da primeira para a segunda. Chamado para conversar com a imprensa, pede para falar no final. Não quer atrapalhar o processo. Essa, aliás, é a palavra mais dita pela equipe. Paola Oliveira, única do trio que trabalha pela primeira vez com Luiz Fernando Carvalho, é a que mais repete a expressão. "O processo de trabalho é muito interessante. Luiz é crítico. Por trás de tudo, sempre tem algo mais. E, hoje em dia, tudo é tão claro, simples, digerido, é fascinante trabalhar com alguém assim", valorizou a jovem atriz. E é justamente esse "algo mais" que faz com que ela, de cabelos curtos e escuros, tenha de atravessar a famosa Avenida Nossa Senhora de Copacabana perto de umas 50 vezes. Primeiro, com um penteado anos 60. E, depois, de cabelo solto. Isso às quatro horas da manhã, sempre embaixo de uma tempestade "fabricada" no local e batendo os dentes sem parar. "Meus pés parecem dois maracujás de tão enrugados", brincou, depois de sair da chuva artificial.
Com uma câmara apenas, Luiz Fernando experimenta diversas formas de gravar. Faz a mesma cena dezenas de vezes, cada hora focando em um detalhe. Seja a boca dos mocinhos, seus olhares, testas, enfim, cada parte expressiva de Paola e Michel ganha espaço nas repetições. Como se trata de um flashback, cuja lembrança não está necessariamente tão clara na mente de André, o diretor grava as imagens através de um espelho. Ora com mais nitidez, ora mais desfocadas. Apostando em um jogo de cores que ilumina o elenco e marca bem não só a condição de sonho, mas também o excesso de tons impresso pelo famoso bairro carioca, cheio de outdoors, sinais de trânsito e letreiros de lojas. "A gente trabalha com certa atemporalidade, mas com um eixo: os anos 60 e 70, quando a cultura de massa, de um modo geral, trabalhou muito as cores primárias. A ideia é dialogar um pouco com esse gesto", justificou Luiz Fernando.
Afinal, O Que Querem as Mulheres? - Novembro, na Globo.
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