Assim como em ‘Viver a vida’ esta semana, com a trama de Luciana, muitos cadeirantes ficam assustados ao se deparar com a possibilidade da primeira transa após a cadeira de rodas. Há insegurança e medo de falhar. Mas, para a maioria deles, o sexo pode ser tão bom quanto antes

Milhares de pessoas acompanharam esta semana a  primeira noite de amor entre Luciana (Alinne Moraes) e Miguel (Mateus  Solano). Em “Viver a vida”, a moça foi acometida por inúmeras dúvidas  antes de sucumbir ao próprio desejo, justamente por acreditar que não  poderia sentir ou, muito menos, dar prazer ao namorado. Um retrato  bastante fiel do que acontece com a maioria dos cadeirantes. Se as  limitações físicas nem sempre são um entrave óbvio, é o lado psicológico  que limita, muitas vezes, uma relação que tinha tudo para ser saudável,  harmônica e, por que não?, repleta de carinho e tesão.
— O mais importante é não deixar que a desinformação impeça que casais que se amam vivam uma vida plena e feliz. Acho que, neste sentido, a Luciana e a própria novela estão sendo fundamentais para levantar essas questões e diminuir o preconceito em relação ao assunto - observa Alinne Moraes. .
— É maravilhoso e assustador ao mesmo tempo —  dispara o músico Marcelo Yuca, ex-Rappa, paraplégico após levar três  tiros num assalto, há dez anos: — As barreiras psicológicas são muitas.  Durante seis meses, não tive qualquer sensibilidade e acreditava de  verdade que jamais teria uma vida sexual novamente.
A redescoberta  do sexo, no entanto, não foi rápida, e muito menos fácil.
— Não sou  um cara de autoestima elevada. Quando conheço uma mulher vou logo  expondo minhas fragilidades. E a cadeira, querendo ou não, causa certo  constrangimento. Mas nunca tive problema em me relacionar, nunca fiquei  sem namorada. Mesmo assim, chega uma hora em que você pensa: ‘Já tô  saindo com essa menina há algum tempo. Em algum momento ela vai querer  transar!’. Entrava em pânico quando isso acontecia.

"Quando começava a sair com uma menina, sabia que ela iria querer transar um dia. Entrava em pânico!"
Yuca se lembra bem da primeira vez que teve uma  relação sexual após a cadeira de rodas. Com a ajuda da namorada, na  época, encontrou novas formas de prazer:
— Quando finalmente  transamos disse: ‘Opa!’. Mas não foi num sentido sexual apenas, foi de  estar completamente agradecido àquela mulher que, com sensibilidade e  carinho, me devolveu o que eu pensava ter perdido. Costumo dizer que  antes dos tiros fazia sexo. Hoje, faço amor — conta ele, que namora a  advogada Carmela, quase 20 anos mais nova (ele tem 43 anos), de Porto  Alegre: — Ela vem todo fim de semana para ficar comigo. Minha vida  afetiva é muito interessante. O que toda mulher que se relaciona com um  cadeirante precisa saber é que é ela quem vai orquestrar uma relação.  Seja sexual ou não.
Parceiro não deve ser enfermeiro
Para a  fisioterapeuta Sheila Salgado, que trata há mais de 30 anos de  portadores de deficiência, a relação entre Luciana e Miguel deveria  servir de exemplo para muitos casais que vivem a mesma situação. Para  ela, Miguel não é assistencialista e desperta em Luciana o que  despertaria em qualquer mulher, cadeirante ou não.
— Ele não é  enfermeiro dela. Pelo contrário, Luciana tem um bom apoio profissional.  As pessoas têm que saber que não vão se relacionar com um cadeirante  apenas para ajudá-lo a se locomover. Mas para amá-lo como pessoa normal  que é — opina ela, casada pela segunda vez com um cadeirante: — Meu  marido é completamente independente. Viaja, trabalha, vive como qualquer  homem que eu conheço. As dificuldades de uma relação não estão nas  limitações físicas, mas na convivência. E isso acontece com quem anda  também.
Há anos convivendo com cadeirantes, Sheila observa, assim  como Yuca, que ainda existe certo preconceito contra as mulheres  deficientes.
— Muitas amigas minhas, bonitas, interessantes e  inteligentes, estão sozinhas. No Brasil, principalmente, existe um culto  exagerado ao corpo perfeito. A coisa está ficando patológica. E o que é  diferente nem sempre é bem visto — avalia.
Um corpo a ser enxergado 
A atriz Vanessa Romanelli, que interpreta Camila em “Viver a vida”,  sabe bem o que é o preconceito. Numa cadeira de rodas há sete anos por  conta de uma doença genética que causa atrofia espinhal mas não a perda  de sensibilidade, ela não viu dificuldades em ser paquerada, mas hoje  sabe distinguir muito bem as intenções de quem se aproxima:
— Sei  quando o interesse é genuíno e quando vêm até mim com certa pena. Sou  muito seletiva e exigente. Para namorar alguém tenho que conhecer muito  bem, criar intimidade. Outro dia, um cara chegou pra mim e perguntou  como eu aguentava estar numa cadeira de rodas. Contei e ele disse que  preferia morrer porque gostava muito do próprio corpo. Pensei: ‘Será que  ele acha que não tenho um corpo?’ — conta.
Vanessa acredita que a  novela das oito está proporcionando às pessoas uma visão diferente sobre  os cadeirantes:
— As pessoas acreditam piamente que somos  assexuados, que não temos desejos e vontades.
No momento solteira,  Vanessa não parece ansiosa para arrumar um parceiro e diz que as  relações sexuais que teve sempre foram felizes:
— Por isso a  confiança e a intimidade são muito importantes. Como em qualquer  relação, sexo por sexo é vazio. Seja entre cadeirantes, entre  cadeirantes e andantes...
Acostumado ao assédio feminino desde que  apareceu no “BBB 2”, o modelo Fernando Fernandes, paraplégico após um  acidente de carro em 2009, também redescobriu valores além do sexo numa  relação:
— A cadeira nunca foi obstáculo para nada no namoro.  Descobri outros prazeres. As dificuldades existem, mas não dá para  valorizá-las o tempo inteiro sem ver prazer nas coisas.
 
 

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