domingo, 18 de abril de 2010

'Viver a vida' derruba o tabu do sexo após a cadeira de rodas

Assim como em ‘Viver a vida’ esta semana, com a trama de Luciana, muitos cadeirantes ficam assustados ao se deparar com a possibilidade da primeira transa após a cadeira de rodas. Há insegurança e medo de falhar. Mas, para a maioria deles, o sexo pode ser tão bom quanto antes


Milhares de pessoas acompanharam esta semana a primeira noite de amor entre Luciana (Alinne Moraes) e Miguel (Mateus Solano). Em “Viver a vida”, a moça foi acometida por inúmeras dúvidas antes de sucumbir ao próprio desejo, justamente por acreditar que não poderia sentir ou, muito menos, dar prazer ao namorado. Um retrato bastante fiel do que acontece com a maioria dos cadeirantes. Se as limitações físicas nem sempre são um entrave óbvio, é o lado psicológico que limita, muitas vezes, uma relação que tinha tudo para ser saudável, harmônica e, por que não?, repleta de carinho e tesão.

— O mais importante é não deixar que a desinformação impeça que casais que se amam vivam uma vida plena e feliz. Acho que, neste sentido, a Luciana e a própria novela estão sendo fundamentais para levantar essas questões e diminuir o preconceito em relação ao assunto - observa Alinne Moraes. .


— É maravilhoso e assustador ao mesmo tempo — dispara o músico Marcelo Yuca, ex-Rappa, paraplégico após levar três tiros num assalto, há dez anos: — As barreiras psicológicas são muitas. Durante seis meses, não tive qualquer sensibilidade e acreditava de verdade que jamais teria uma vida sexual novamente.
A redescoberta do sexo, no entanto, não foi rápida, e muito menos fácil.
— Não sou um cara de autoestima elevada. Quando conheço uma mulher vou logo expondo minhas fragilidades. E a cadeira, querendo ou não, causa certo constrangimento. Mas nunca tive problema em me relacionar, nunca fiquei sem namorada. Mesmo assim, chega uma hora em que você pensa: ‘Já tô saindo com essa menina há algum tempo. Em algum momento ela vai querer transar!’. Entrava em pânico quando isso acontecia.

"Quando começava a sair com uma menina, sabia que ela iria querer transar um dia. Entrava em pânico!"


Yuca se lembra bem da primeira vez que teve uma relação sexual após a cadeira de rodas. Com a ajuda da namorada, na época, encontrou novas formas de prazer:
— Quando finalmente transamos disse: ‘Opa!’. Mas não foi num sentido sexual apenas, foi de estar completamente agradecido àquela mulher que, com sensibilidade e carinho, me devolveu o que eu pensava ter perdido. Costumo dizer que antes dos tiros fazia sexo. Hoje, faço amor — conta ele, que namora a advogada Carmela, quase 20 anos mais nova (ele tem 43 anos), de Porto Alegre: — Ela vem todo fim de semana para ficar comigo. Minha vida afetiva é muito interessante. O que toda mulher que se relaciona com um cadeirante precisa saber é que é ela quem vai orquestrar uma relação. Seja sexual ou não.
Parceiro não deve ser enfermeiro
Para a fisioterapeuta Sheila Salgado, que trata há mais de 30 anos de portadores de deficiência, a relação entre Luciana e Miguel deveria servir de exemplo para muitos casais que vivem a mesma situação. Para ela, Miguel não é assistencialista e desperta em Luciana o que despertaria em qualquer mulher, cadeirante ou não.
— Ele não é enfermeiro dela. Pelo contrário, Luciana tem um bom apoio profissional. As pessoas têm que saber que não vão se relacionar com um cadeirante apenas para ajudá-lo a se locomover. Mas para amá-lo como pessoa normal que é — opina ela, casada pela segunda vez com um cadeirante: — Meu marido é completamente independente. Viaja, trabalha, vive como qualquer homem que eu conheço. As dificuldades de uma relação não estão nas limitações físicas, mas na convivência. E isso acontece com quem anda também.
Há anos convivendo com cadeirantes, Sheila observa, assim como Yuca, que ainda existe certo preconceito contra as mulheres deficientes.
— Muitas amigas minhas, bonitas, interessantes e inteligentes, estão sozinhas. No Brasil, principalmente, existe um culto exagerado ao corpo perfeito. A coisa está ficando patológica. E o que é diferente nem sempre é bem visto — avalia.
Um corpo a ser enxergado
A atriz Vanessa Romanelli, que interpreta Camila em “Viver a vida”, sabe bem o que é o preconceito. Numa cadeira de rodas há sete anos por conta de uma doença genética que causa atrofia espinhal mas não a perda de sensibilidade, ela não viu dificuldades em ser paquerada, mas hoje sabe distinguir muito bem as intenções de quem se aproxima:
— Sei quando o interesse é genuíno e quando vêm até mim com certa pena. Sou muito seletiva e exigente. Para namorar alguém tenho que conhecer muito bem, criar intimidade. Outro dia, um cara chegou pra mim e perguntou como eu aguentava estar numa cadeira de rodas. Contei e ele disse que preferia morrer porque gostava muito do próprio corpo. Pensei: ‘Será que ele acha que não tenho um corpo?’ — conta.
Vanessa acredita que a novela das oito está proporcionando às pessoas uma visão diferente sobre os cadeirantes:
— As pessoas acreditam piamente que somos assexuados, que não temos desejos e vontades.
No momento solteira, Vanessa não parece ansiosa para arrumar um parceiro e diz que as relações sexuais que teve sempre foram felizes:
— Por isso a confiança e a intimidade são muito importantes. Como em qualquer relação, sexo por sexo é vazio. Seja entre cadeirantes, entre cadeirantes e andantes...
Acostumado ao assédio feminino desde que apareceu no “BBB 2”, o modelo Fernando Fernandes, paraplégico após um acidente de carro em 2009, também redescobriu valores além do sexo numa relação:
— A cadeira nunca foi obstáculo para nada no namoro. Descobri outros prazeres. As dificuldades existem, mas não dá para valorizá-las o tempo inteiro sem ver prazer nas coisas.

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